domingo, 6 de dezembro de 2009

O diário de Zlata

Módulo 1 - Textos autobiográficos
O Diário

2ª feira, 30 de Março de 1992


Diário, sabes no que pensei? A Anne Frank chamou «Kitty» ao seu Diário, porque é que não arranjo um nome para ti? Vejamos...

ASFAL TINPA PIDZAMET A

SEFIKA HIKMET A

SEVALA MIMMY

ou outro nome qualquer?

Procuro, procuro...

Já escolhi! Vais-te chamar Mimmy.

Vamos começar.

Dear Mimmy,

Está quase a acabar 0o trimestre na escola. Estão todos a preparar-se para os exames. Devíamos ir amanhã a um concerto em Skenderija, mas o nossoprofessor aconselhou-nos a que não fôssemos porque já iam dez mil pessoas -perdão, dez mil crianças -e corria-se o risco de haver reféns ou caírem bombas (‘!) e a minha mãe disse que não. Portanto, não vou.

Nem acreditas!... Sabes quem ganhou o concurso Yugovisão? Extra Nena!! Olha, até tenho medo de te dizer que a tia Melica me contou: ouviu dizer no cabeleireiro que no sábado, dia 4 de Abril de 1992, BUM-BUM, PAN-PAN, BANG-BANG, Sarajevo. Eu traduzo: vão bombardear Sarajevo.

Amo-te Zlata.

6ª feira, 3 de Abril de 1992

Dear Mimmy,

A minha mãe esta a trabalhar, e o meu pai esta numa audiência em Zenica. Voltei a escola e estou preocupada: A Azra vai hoje para a Áustria. Ela tem medo da guerra. UARF! UARF! UARF!, mas, no entanto, eu penso no que tia Melica ouviu no cabeleireiro. O que e que eu faço se Sarajevo for bombardeada? A Safija está cá, e eu ouço a Rádio-M. Sinto-me mais tranquila.

A minha mãe diz que o que a tia Melica ouviu no cabeleireiro é desinformação. Espero que ela tenha razão!

O meu pai voltou de Zenica. Está muito preocupado e diz que o que viu na estação de caminhos-de-ferro e na estação de camionagem é horrível. As pessoas fogem de Sarajevo. Há cenas terríveis. São as vítimas da desinformação. As mães levam os filhos, os pais ficam. Ou então vão os filhos e ficam os pais. Toda a gente chora. O meu pai diz que preteria não ter visto o que viu.

Mimmy, amo-te,

Zlata.



Sábado, 4 de Abril de 1992

Dear Mimmy,

Hoje é o Barim (uma grande testa muçulmana). Não há muita gente nas ruas. É de certeza por por causa da história dos bombardeamentos. Sarajevo não foi bombardeada. Talvez a minha mae tivesse razão quando disse que era desinformação. Obrigada, meu Deus!

Amo-te,

Zlata.


4ª feira, 27 de Maio de 1992

Dear Mimmy,

UMA CARNIFICINA! UM MASSACRE! UM HORROR! UMA ABOMINAIÇÃO! O sangue! Os gritos! Os choros! 0 desespero!

Foi assim na rua Vasa Miskin hoje. Caíram lá dois obuses, e outro no mercado. Nessa altura a minha mãe andava lá perto. Correu a refugiar-se em casa dos meus avos. Eu e o meu pai ficamos loucos porque a minha mãe não aparecia. Vi coisas na televisão, que não consigo acreditar que realmente as vi. É inacreditável. Eu tinha um nó na garganta e dores no estômago. O TERROR. Os feridos eram levados para o hospital. Um asilo. Estávamos constantemente com o nariz encostado à janela na esperança de vermos a minha mãe, mas nada. Ela não aparecia. Deram a lista de vítimas e dos feridos. 0 nome da minha mãe não aparecia. Eu e o meu pai estávamos desesperados. Estaria viva? Às 16 horas o meu pai decidiu ir ao hospital procurá-la. Vestiu-se para sair, e eu fui para casa dos Bobar para não ficar sozinha em casa. Olhei uma última vez para a janela e... VI A MINHA MAE QUE ATRAVESSAVA A PONTE A CORRER! Quando chegou a casa, pôs-se a tremer e ficou lavada em lágrimas. No meio das lágrimas, disse que tinha visto gente despedaçada. Chegaram então os vizinhos, que estavam muito preocupados por causa dela. Graças a Deus a minha mãe está connosco. Obrigada, meu Deus.

F0I UM DIA TERRÍVEL. IMPOSSÍVEL DE ESQUECER.

UM HORROR! UM HORROR!

A tua Zlata.

5ª feira, 28 de Maio de 1992

Dear Mimmy,

Por volta das 22 horas começou tudo a estalar por todos os lados. Nós tínhamos ido a casa do Nedo. Esperei que a Sasa adormecesse e saí do quarto. Olhei do lado da casa de banho e entao... CLING! Partiu-se o vidro da janela da casa de banho. Eu estava sozinha no corredor e vi tudo. Comecei a chorar, numa crise de histeria. Fomos então para a cave. Quando a calma regressou fomos para casa de Nedo para passarmos lá a noite. Hoje, os moradores da Rua Vasa Miskin assinaram um grande livro de condolências e acenderam-se velas. A rua foi rebaptizada: «Rua da Resistência Antifascista.»





6ªfeira, 29 de Maio de 1992

Dear Mimmy,

Estou em casa do Nedo. Consequência do fascismo de ontem: não há um único vidro nas janelas do escritório do meu pai nem na casa dos Bobar. Caiu um obus na casa em frente da nossa, e não sei quantos muito perto. Toda a cidade está em chamas.

A tua Zlata.

5ª feira, 15 de Julho de 1993

Dear Mimmy,

Disseram-me hoje que a tua apresentação é no sábado. Sim, no sábado! E eu estou doente. Como é que vai ser Mimmy?


Sábado, 17 de Julho de 1993

Dear Mimmy,

A APRESENTACÃO.

Uma vez que não te tinha comigo (só lá havia uma parte de ti), tenho de te contar .

Foi formidável. A animadora parecia-se incrivelmente com a Linda Evangelista. Leu extractos teus, Mimmy, com um fundo musical de piano. A tia Irena também lá estava. Simpática e calma como sempre, com uma palavra amável para as crianças e também para os adultos.

Foi no subsolo do Jez, que estava cheio de pessoas maravilhosas – todos os que eu amo, a minha família, os meus amigos, os colegas da escola e, evidentemente, 0S VIZINHOS. Havia electricidade (graças ao grupo electrogéneo) e estava tudo muito bonito à luz de lâmpadas eléctricas. Pela organização, Mimmy, temos de agradecer a Gordana Trebinjac, do Centro Internacional para a Paz, que tudo fez para que a festa fosse a mais bonita possível.

Evidentemente, havia câmaras, fotógrafos e grandes ramos de flores - rosas e malmequeres -em nossa honra, Mimmy.

Mesmo no fim li uma mensagem. 0lha, Mimmy, vou escrever-ta:

«Recorrendo à força da guerra que me enche de horror, tentam tirar-me, arrancar-me subitamente, brutalmente, da margem do rio da paz, da felicidade, da amizade maravilhosa, das brincadeiras, do amor e da alegria. Sou um nadador que não tem nenhuma vontade de mergulhar na água gelada e que é forçado a isso. Estou perturbada, triste, infeliz, tenho medo e pergunto a mim mesma porque me roubaram a minha infância.

Eu vivia feliz cada novo dia, pois cada dia é belo à sua maneira. Eu era feliz por ver o sol, por brincar, cantar, numa palavra, tinha prazer em viver a minha infância - onde eu tinha calor, onde eu estava feliz e contente, ponham de novo lá todas as crianças a quem destruíram a infância e que não têm o direito ao prazer de viver .

A única palavra que eu desejo dizer ao mundo inteiro é PEACE!»

Na apresentação estava também JÚLIO FUENTES, um espanhol. Fotografou-me em cima de contentores (eu enchi-os de agua, esse líquido tão precioso para os habitantes de Sarajevo) e a senhora a quem eles pertenciam ia ficando doida. «Na-ao, vocês vão rebentá-los, os meus contentores.» Mas não, não rebentaram.

De uma maneira geral, correu bem. Evidentemente, Mimmy, pois era a tua apresentação. Apresentei-te. Tu sabes como eu gosto de ti. Apresentei- te com todo o amor que te tenho.

À tarde, quando voltei, a tia Radmila trouxe um grande vaso embrulhado em papel de cores vivas e com uma bonita fita. No vaso, havia um tomateiro, com tomates verdadeiros! Foi o mais belo bouquet que alguma vez me ofereceram.

A Zlata que te adora.





Para saberes mais sobre esta guerra vê http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_da_B%C3%B3snia

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